Cerimônia de Posse da Diretoria Executiva, do Conselho Fiscal, dos Departamentos e Delegacias Sindicais do Sindicato dos Professores de Coreaú – SINDPROC.
O evento aconteceu no Auditório do SINDPROC, na data de 01 de setembro de 2020.
Cerimônia de Posse da Diretoria Executiva, do Conselho Fiscal, dos Departamentos e Delegacias Sindicais do Sindicato dos Professores de Coreaú – SINDPROC.
O evento aconteceu no Auditório do SINDPROC, na data de 01 de setembro de 2020.
O discurso elaborado em 1968, em plena ditatura militar, que pronunciaria na concha acústica da UFC na condição de orador oficial de todos os concludentes daquele ano.
Á época foi solicitado a concordar com modificações do texto original, no que não concordou, residindo aí uma das razões para o cancelamento da solenidade.
Sombrios anos vivemos todos os brasileiros, a partir daquela impiedosa noite de 13 de dezembro de 1968.
DISCURSO NA ÍNTEGRA
Bem sinto a imensa responsabilidade que ora me pesa sobre os
ombros, distinguido que fui, por livre escolha dos meus colegas formandos da
Turma Professor Raimundo Girão, da Faculdade de Odontologia, para proferir o
discurso de colação de grau de todos os concludentes da Universidade Federal do
Ceará e suas escolas agregadas. Dificílima tarefa a de falar em nome de tantos
companheiros. Ao receber a espinhosa missão, dou-me à tarefa de cumpri-la
apesar de saber que ela ultrapassa as minhas possibilidades intelectuais.
Realmente, nesta significativa festa de despedida, impõe-se um discurso em que
predomine o conteúdo sociológico, a exigir a presença de um especialista, o
que, evidentemente, não é o meu caso. Confiado, todavia, na generosidade dos
que me distinguiram para o exercício de tal missão, dou-me a transmitir o que
acredito ser necessário dizer numa oportunidade ímpar como esta. No mundo
hodierno, já não existe lugar para as frases retumbantes e o derrame perfumado
das flores da retórica, indispensáveis na oratória do passado, quando o mundo
era menos confuso e muito menos aflito que o nosso, e, por isso mesmo, sem as
marcas profundas dos dramas econômicos, das tragédias políticas e das guerras
ideológicas de nossos dias. Quero, pois, caros colegas, disseminar idéias;
idéias para serem discutidas, neste imenso palco do mundo e cuja tônica suprema
haverá de ser sempre o diálogo da convivência democrática. À luz dessas idéias,
por uma imposição lógica dos tempos que correm, trarei, para o primeiro plano
de minhas cogitações, os graves problemas que atribulam nossa
contemporaneidade, exatamente a que mais somou responsabilidades nesta segunda
metade do século, tais as esperanças que o
povo nela depositou. Começarei perguntando: qual o papel, e a posição a ser
assumida, por nós, profissionais de nível universitário? Respondo: ocupando um
espaço de relevância na sociedade, como partícipes destacados do
desenvolvimento nacional. E é, justamente, visando esse objetivo que passaremos
a exercitar nossa capacidade profissional. E, no exercício dessa capacidade,
cabe-nos avaliar o sentido em que ela deve ser utilizada num país em
desenvolvimento como o nosso, em favor do crescimento das suas forças
produtivas e de toda a sua superestrutura, a fim de que o progresso material e
o progresso intelectual ocorram e marchem simultaneamente. Noutras palavras:
para que a economia e a cultura se desenvolvam a um só tempo, com o que
adquirirão forças para empreenderem uma luta racional e planejada, para a
extinção da fome coletiva, do analfabetismo, da mortalidade prematura, do
atraso industrial, do obsoletismo da agricultura, e demais problemas que formam
o cortejo trágico do subdesenvolvimento.
Na época atual, desenvolvimento é palavra que se pronuncia, se ouve e se lê a
cada instante em nosso
País. Por isso mesmo devemos procurar o seu sentido
verdadeiro e fugir às deturpações da sua legítima significação.
Desenvolvimento, é bom que se esclareça, não significa tão somente o mero
aumento quantitativo da produção. Devemos olhar para a natureza das relações de
produção, para o modo e a finalidade da apropriação dos produtos do trabalho.
Só entendo desenvolvimento se capacitado a provocar transformações capazes de
mudar arcaico em novo, o desumano em humano, o socialmente perverso no
socialmente justo.
Sem economia humanizada e sem paz política, torna-se claro que as nossas forças
produtivas continuarão entravadas e não venceremos o trágico destino de povo
semicolonizado. Melhor dito: não existirá entre nós a felicidade coletiva e
muito menos a nossa independência econômica e política. É certo que tudo não há
de se fazer em um só dia, na pressa, à velocidade de um salto dialético. A
conjuntura universal não está em condições de suportar tal açodamento, marcada
que está pelo violento choque de contradições de dois mundos ideologicamente
diversos e que, ipso factum, se negam reciprocamente. Teremos de enfrentar uma
luta sem distorções do seu plano reivindicante, sem perturbação do processo de
mudança. Uma luta, afinal, pela progressiva transformação do velho arcabouço
econômico, pelo desenvolvimento de novas forças produtivas, pela implantação de
um regime social mais adequado à vida humana, numa crescente eliminação da
pobreza, do analfabetismo, das deficiências de saúde e de outros fatores que
aprofundam e
fazem continuar o subdesenvolvimento.
Só os obscurantistas poderão negar a existência do submundo brasileiro. E só eles se atreverão a negar a urgente necessidade de mudanças radicais em nossa infra-estrutura, em benefício mesmo da sobrevivência do Brasil como País e como Nação. Sei que a marcha da História é irreversível. Lenta ou acelerada, essa marcha é vista a cada instante, na vida dos povos. Mas nós, filhos de um país economicamente atrasado, teremos de estugar os passos da história, se não quisermos ser surpreendidos por desgraças nacionais, já que, no futuro, só os povos progressistas terão direito a um lugar ao sol.
Assim, meus caros colegas, cabe a todos os brasileiros, e muito
principalmente a nós, a partir desta noite solene, detentores de um diploma de
curso superior, a premente tarefa de descobrir e apontar saídas concretas,
soluções salvadoras para os angustiantes problemas do povo brasileiro. Resolver
tais problemas com os nossos próprios recursos e com a nossa própria
inteligência - eis o caminho certo que devemos seguir, pouco ou nada esperando
dos países ditos
realizados. No processo da solução audaciosa e racional desses problemas é que
nos realizaremos como pessoas humanas e como profissionais qualificados.
Bem avalio os sacrifícios que nos esperam, na edificação de uma Pátria justa. É
como se estivéssemos a ouvir o imortal Castro Alves: Filhos do Novo Mundo:
ergamos nós um grito que abafe dos canhões o horríssono rugir, em frente do
oceano! em frente do porvir! Não deixemos, Hebreus, que a destra dos tiranos
manche a arca ideal das nossas ilusões. A herança do suor vertido em dois mil
anos há de, intacta, chegar às novas gerações. Lembremo-nos, colegas, de que a
nossa mestra é a Ciência. E de que cada teoria científica que surge aperfeiçoa
o
homem, permitindo-lhe, dentro do grupo profissional, dentro da sociedade
econômica, no mundo da nossa vida social, a natural substituição do velho pelo
novo, num clima de mudança pacífica e sem excessos.
Noutras palavras: devemos conservar o que de bom existir em
nosso passado, longe da errônea concepção de substituir o velho simplesmente
porque é velho. Para construirmos um novo mundo, dentro das fronteiras
nacionais, não podemos nem devemos esquecer que a maior conquista dos tempos
modernos é a livre expressão do pensamento. Essa liberdade pertence a todos.
Ninguém ousará arrogar-se com o direito de possuí-la e desfrutá-la com
exclusividade. Não esqueçamos a palavra de Rui Barbosa no fragor das
tempestades políticas do seu tempo: “Nos dias de opressão, ser oposição é uma
honra. A desonra é ser governo.”
Colegas: Abramos os olhos para esta dramática e desumana realidade: no Brasil,
a instrução superior tornou-se possível apenas a uma parcela mínima da
população -0,9%. Essa é uma das taxas mais baixas do mundo, e nessa área apenas
um número de privilegiados se permite freqüentar faculdades e universidades.
Acaso poderíamos nos acomodar a essa acachapante situação? Por que não estender
a oportunidade do ensino superior a maiores parcelas de brasileiros? É claro, é
patente que não poderemos adiar por muito tempo uma reforma do ensino que
atenda à nossa realidade social. Essa realidade - triste drama de um país
subdesenvolvido - está a exigir o ensino gratuito, uma cultura técnica forjada
e orientada por técnicos brasileiros. Em suma: cultura técnica inspirada
tão-somente nos interesses nacionais. Sobre a matéria,vale a pena lembrar as
palavras do Professor Roberto Lira, decano da Faculdade Nacional de Direito:
“Carecemos, isto sim, é de material que nós mesmos fabricaremos, fazendo cessar
a técnica dos que doam os aparelhos para transfusão de sangue, mas em troca
levam o nosso sangue.” Já não é admissível que, em pleno florescer da ciência,
na era das grandes conquistas espaciais, ainda suportemos no Brasil, e muito
especialmente no Nordeste e na Amazônia, a trágica aritmética do
subdesenvolvimento, expressa em números que nos envergonham no concerto
internacional, quais sejam, as assombrosas cifras da mortalidade infantil, da
tuberculose, do analfabetismo e do desemprego. E o pior é que se pretende
sanear os nossos males sociais simplesmente restringindo a natalidade -
confissão de impotência dos
regimes nos países subcapitalistas. Por tudo isso, todos nós - dentistas,
médicos, farmacêuticos e enfermeiros; engenheiros, arquitetos e agrônomos;
físicos, químicos e matemáticos; advogados, jornalistas e bibliotecários,
aqui reunidos nesta solenidade inesquecível - somos levados a meditar sobre o
drama brasileiro. Este drama, que desejamos não se prolongue tempos afora, clama
com premência pela presença num trabalho intensivo e planificado que nos leve a
um Brasil melhor. Não exagero, caríssimos colegas. O drama social brasileiro
está bem à vista. Negando-o, poderíamos cometer o erro funesto da omissão. Ou
agimos a tempo de salvar-nos, ou teremos de conformarmo-nos com a desgraça do
Brasil - desgraça que se deixa francamente adivinhar - de permanecer entre as
nações irremediavelmente condenadas à miséria e às humilhações do
subdesenvolvimento.
Não me coloco entre os ufanistas que romantizam a nossa natureza, o nosso povo
e o nosso futuro. Contudo, acaso poderia negar o potencial da nossa riqueza
física e a força miraculosa da nossa inteligência? Porventura poderia eu
subestimar a nossa bravura, não apenas nos campos de batalha, mas no labor sem
pausa de quatro séculos para a construção de uma nacionalidade que tem vencido
a geopolítica, as tempestades internacionais, as procelas internas, para surgir
e manter-se na face da Terra com uma língua única em oito milhões e meio de
quilômetros quadrados e com um futuro que, a exemplo do passado e do presente,
não esconderá as suas raízes bandeirantes, as raízes dos implantadores de
currais, as raízes antiimperialistas que nos deram o Acre pela mão armada dos
nordestinos?
Pergunto agora: será que a terra dos bandeirantes, dos vaqueiros e dos
seringueiros - todos eles imortais conquistadores de desertos merece, já quase
no dealbar do século XXI, na era dos computadores, da astronáutica e do
transistor, o castigo e as humilhações do subdesenvolvimento? Com a natureza
que nos coube e o homem férreo que o destino nos legou, deveremos continuar
entre as nações como envergonhada pátria de subnutridos e analfabetos? Meus
colegas: chegou para nós esta hora suprema, a de, com a responsabilidade de
homens formados, abrirmos os olhos para o nosso futuro. Cabe-nos a guarda de
riquezas imensas e cobiçadas. O estrangeiro tem as vistas voltadas para a
Amazônia. Terra recém-saída do “Gênesis” e onde um riomar ilimitado, já cansado
de espelhar florestas inexploradas e o rosto triste do homem doente e
abandonado, brada por navios, cais, guindastes e bandeiras de todos os países,
na troca de produtos e no fecundo contato de culturas e civilizações. Em
síntese: para nós as nossas riquezas minerais, os nossos rios, as nossas
cachoeiras, os nossos portos, as nossas florestas! Disse Teixeira de Freitas em
página memorável: “Os detentores privilegiados deste meio continente não se
organizaram nem social nem economicamente. ” E por isso, segundo este ilustre
brasileiro, não se abriram as estradas necessárias, não se criou um sistema de
educação adequado, as populações desceram a extremos incríveis de pobreza e de
saúde. A mortalidade, por seu elevado índice, ameaça o nosso futuro.
Grande parte da nossa riqueza já foi entregue a estrangeiros.
Finalmente, em face das nossas omissões, a Nação ainda não conseguiu as
condições basilares de independência econômica e de autonomia política.
Ponho-me prazerosamente na companhia do mestre e peço-vos aos meus colegas, ao
povo brasileiro, aos dirigentes deste País: ocupemos o nosso território;
mecanizemos a lavoura; asseguremos a vida atual e a futura das nossas
populações rurais; humanizemos a existência dos nossos operários; e eduquemos a
nossa juventude para a construção do Brasil como potência mundial. Criemos as
nossas indústrias de
base. Incrementemos a nossa produção de petróleo. Desenvolvamos as nossas
forças produtivas em todos os sentidos. Aumentemos o número de nossas escolas
primárias, médias e superiores. Formemos bons professores. Implantemos no
Brasil o ensino gratuito. Enfim, pelo nosso desenvolvimento, asseguremos um
mercado de trabalho para os que se preparam para a vida nas faculdades e
universidades do País. Juremos, meus colegas, batalhar pela grandeza material
do Brasil. Mas juremos também lutar contra a injustiça social, contra a
revogação tácita dos direitos do homem pelos códigos e constituições
ditatoriais. Fechemos nossas portas aos estrangeiros que ainda hoje cobiçam
nossas riquezas, mas abramos nossos braços àqueles que, emigrando de suas
pátrias, queiram trabalhar conosco, ombro a ombro, respeitando e amando nossa
bandeira. E que nosso juramento não passe de mera formalidade. A nossa geração
responde pelo futuro do Brasil. Identifiquemos a nossa vida com o futuro do
Brasil: nos sofrimentos, nos sonhos, nas esperanças. Dentro de alguns minutos,
o destino colocará entre nós a distância física, exigida pela diversidade de
nossas profissões. Mas estejamos certos de que se faz necessário um ponto de
encontro, na encruzilhada de nossos caminhos. Esse ponto de encontro, vós bem o
adivinhais: é o futuro do nosso País.
Galba Gomes
Orador oficial